Quem segura a bandeira dos obesos?

2021-02-02T14:30:39+00:00 24/11/2020|

Artigo escrito pelo Dr. Cid Pitombo

 

Muito se avançou no Brasil e no mundo no que se refere ao respeito às ditas minorias. A ampliação do acesso a informação e os novos meios de comunicação – com notável destaque para as redes sociais – propiciaram amplificação das vozes, organização dos grupos e mobilização por direitos e representatividade. Este engajamento já promoveu mudanças. Basta notar a cada vez mais comum presença de diferentes raças, gêneros, opção sexual, condição social na publicidade, no cinema, na TV – apenas para falar da cultura de massa. Tenha você a opinião que tiver sobre cada uma dessas realidades. Tal evolução avançou também para o mundo legal. Afinal, injúria racial e violência contra a mulher já são crimes no Brasil, com penas aplicáveis. Políticas públicas são planejadas e executadas para prevenir, acolher e reprimir; ainda que haja inquestionável necessidade de aprimoramento e efetividade delas em diversas áreas. Dinheiro público é utilizado para festejar essa diversidade; basta ver o R$ 1,5 milhão que São Paulo anualmente investe na infraestrutura da Parada Gay, só para citar um exemplo.

Sou estudioso de um tema muito importante chamado Obesidade, que para muitos também é considerado o de uma minoria. Há cerca de 20 anos me dedico a pesquisar, viajar, escrever, tratar e operar portadores dessa terrível doença. Apesar de estarem longe de serem poucos – pois mais da metade da população do Brasil está obesa ou com sobrepeso – poucas são as discussões ou tempo dedicado na difusão do entendimento dessa doença. Sim! É uma doença, que mata anualmente mais de 4 milhões de pessoas em todo o mundo e no país é hoje mais prevalente do que a desnutrição.

A ideia de que a obesidade é controlável e fruto de negligência ou preguiça é um mito. O excesso de peso nem sempre é resultado de se comer demais. Vários fatores podem contribuir para isso tais como falta de sono, condições socioeconômicas, desequilíbrio hormonal, genética, consumo de medicamentos, problemas de saúde mental e até mesmo a poluição do ar. Qualquer um que não se encaixe nos padrões de beleza pode se sentir estigmatizado e, como resultado, desenvolver compulsões que levam também à obesidade.

Obesos, assim como negros e homossexuais, são discriminados, mas em uma novela são colocados como os engraçados. Obesos tem dificuldade de emprego, assim como as “minorias”, mas alguém que me lê já viu reportagens sobre obesos desempregados ou cotas para eles? A acessibilidade a ônibus, cinemas e restaurantes é um outro problema, que também não vejo relatado em peças teatrais ou filmes, e quando muito, em forma de piada. Comprar uma roupa nos padrões impostos pela mídia, beira o impossível.

Não bastasse o bullying diário, os obesos têm salários menores porque partem em desvantagem. Pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos comprovou que mulheres obesas, por exemplo, têm 50% menos chances de frequentar faculdade, 20% menos chances de se casar e recebem salário 9% menor que as magras. Consegui comprovar o inverso desse estudo a partir da análise de amostras de pacientes atendidos pelo Estado do Rio de Janeiro no Hospital Estadual Carlos Chagas; 30% dos pacientes que passaram pela cirurgia bariátrica tiveram melhora significativa no salário ou saíram do desemprego.

Hoje a obesidade já custa mais de 2,4% do PIB brasileiro. Vários são os trabalhos demonstrando que em um futuro não muito distante os sistemas de saúde não terão recursos suficientes para arcar com os custos das doenças associadas à obesidade. Não teremos como pagar a conta dos infartados, amputados, diabéticos e doentes renais. E continuam achando mais importante falar sobre um menino que usa saia? Será que em vez de gastar tanto dinheiro em propagandas e programas de TV com forte apelo para as minorias, não seria melhor dar mais atenção à imensa maioria que está morrendo? Quando sociedade, governos e empresas vão segurar essa bandeira? Estamos perdendo a batalha com o tempo.