Risco sem beneficio 2021-08-28T16:32:35+00:00

Imprensa

Março de 2020

 

Risco sem beneficio

Por Cid Pitombo, médico e pesquisador da obesidade, coordena o Programa de Cirurgia Bariátrica do Estado do Rio de Janeiro; é autor do livro ‘Obesity Surgery’

A inclusão das academias de ginástica na categoria dos serviços essenciais que devem ficar abertos durante a pandemia, pelo Governo Federal, é a cereja de um bolo indigesto. Principalmente para portadores de obesidade – que hoje afeta x% da população brasileira e que deixa cerca de xx milhões de pessoas em potencial risco nestes tempos em que o tão necessário isolamento social tornou-se um desafio de níveis que variam de estado para estado, município para município. Afinal, estatísticas do próprio Ministério da Saúde mostram que a doença é o maior fator de risco das vítimas da Covid-19 com menos de 60 anos no país.

Obesidade, na maior parte das vezes, está associada à pouca atividade física, e muitas das pessoas  acima do peso em quarentena talvez julguem que voltar para uma academia seja a solução do problema. Principalmente aquelas que não resistem a um assalto à geladeira a qualquer hora do dia, agora que ambas estão confinadas juntas. Mas não é. Durante muitos anos, nós, médicos, evitamos falar que a relação entre perda de peso e atividade física é muito pequena. Afinal, não podíamos – nem podemos – deixar de estimular todos à prática de algum tipo de exercício. Mas o que é importante saber é que fazer atividade física é fundamental para a melhora do nosso sistema cardiovascular, assim como do intestinal, do mental… e de uma série de outros sistemas e órgãos. No entanto, já é sabido que a “culpa” do sedentarismo em relação à perda dos quilos em excesso é muito pequena. Ou seja, quem pratica atividade física sem uma dieta restritiva provavelmente não perderá peso algum ou muito pouco.

Diversas são as publicações e estudos científicos que abordam esta relação. Recentemente, o British Journal  of Sports Medicine publicou artigo que critica o que chama de “mensagem inútil” a da manutenção de um “peso saudável” por meio da contagem de calorias, e diz que muitos ainda acreditam erroneamente que a obesidade se deve inteiramente à falta de exercício. “Essa falsa percepção está enraizada no mecanismo de propaganda da indústria de alimentos, que usa táticas assustadoramente semelhantes às do tabaco”, diz o artigo, o que nos faz lembrar da antiga vinculação do cigarro ao glamour e à beleza. Até que apareceram os primeiros estudos relacionando o vício ao câncer de pulmão.

Pois essa indústria alimentícia associa seus produtos ao esporte, sugerindo que não há problema em consumi-los enquanto você se exercita. “No entanto, a ciência nos diz que isso é enganoso e errado. É de onde as calorias vêm que é crucial. As calorias do açúcar promovem o armazenamento de gordura e a fome. Calorias gordas induzem plenitude ou saciedade”, diz o texto.

Nesse “caldo” entra outro ingrediente de peso: estamos todos vivendo uma enorme ansiedade por respostas às frustrações do confinamento. Emprego, dinheiro, futuro, estado emocional… tudo está sendo afetado e, inevitavelmente, um dos escapes é abrir a boca. Para comer mais e mais. Especialmente bobagens. O resultado disto já foi medido na França. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop) para o site Darwin Nutrition, 57% dos franceses engordaram durante a quarentena. Este aumento de peso foi de, em média, de 2,5 quilos. Entre os entrevistados, 42% disseram que dedicam mais tempo ao “happy hour”, etapa antes do jantar, acompanhada por petiscos e bebidas alcoólicas. Mais de dois em cada dez entrevistados também declarou ter aumentado do consumo de chocolate nas últimas semanas. No Brasil o quadro não é muito diferente.

Neste contexto, ao liberarmos as academias, estamos literalmente levando uma enorme população de risco, a dos obesos, a voltar para um ambiente com grandes chances de contaminação, pois envolve aglomeração, secreções respiratórias e das mais diversas, dispersão de aerossóis pelas atividades aeróbicas intensas… tudo isso em salas com pouca ou nenhuma ventilação, que se tornam impossíveis de controlar. Definitivamente, não vale o esforço.